A miséria da política <br>e a política de miséria

Modesto Navarro
Chegámos à antecâmara do antigamente... Com um Governo assim, do PS, quem é que, do mundo do dinheiro e do passado, suspira por um governo do PSD? Estes são ainda mais fáceis de levar e irão mais longe, até ao fim da obra que lhe encomendaram, se todos nós deixarmos.
Até parece que há menos hipóteses de carneirismo e seguidismo nos partidos da direita do que no PS, hoje em dia. Não contentes com o que estão a fazer, a nível central, já nas autarquias de maioria PS surgem ofensivas de retirada de direitos aos trabalhadores, como por exemplo em Vila Franca de Xira.
Para além de outros sinais e até atitudes de violência ultra-direitista, nas empresas e em sectores do aparelho de Estado são dirigentes que aparecem, em reuniões e plenários, a defenderem as medidas mais gravosas, assumindo, sem qualquer réstea de vergonha, o papel de «valentes» impulsionadores do regresso ao passado mais antigo e opressor.

As piores heranças de Jorge Sampaio aí estão, nas «leis laborais» que promulgou e noutras coberturas que deu à destruição do que era de mais legítimo do 25 de Abril. Cavaco Silva, em Belém, rodeia-se de gente do pior, ex-reformistas e gente que nunca quis passar do 24 de Abril de 1974, e regressa saudosamente às «Conversas em Família», com a nomeação de um chamado Conselho de Estado que vai do centro à extrema-direita. Sampaio primeiro, e depois José Sócrates e dirigentes do PS, abriram as portas de Belém a quem defende o autoritarismo e a destruição do que é essencial a uma vida democrática, participada e usufruída dignamente por todos.
No trabalho e nos direitos sociais, a repressão e o roubo descarado instalam-se. As escolas, as maternidades e sectores fundamentais para a sobrevivência das regiões e concelhos são profundamente atingidos por decisões que parecem saídas do que é de mais cavernícola da mente humana. Quem fez mal, quando eram pequeninos, a José Sócrates e a estes ministros e secretários de Estado que o acompanham? Quem os meteu em quartos escuros e os castigou tanto, para serem tão péssimos e odientos? Estou a brincar, claro. Cumprem apenas ordens de quem quer fazer mais e mais dinheiro, de quem quer explorar tudo e todos, sem qualquer impedimento, de quem quer apanhar mais sectores do ensino, da saúde e de outras áreas rentáveis, para os transformar em negócios. Nos hospitais, só para dar um exemplo do estado a que isto chegou, já não se trata das chamadas parcerias público-privadas; estas só serviram de véu (desde logo tão roto...) para encobrir a passagem para esta fase superior da privatização, pura e dura, dos hospitais e outras áreas da saúde, em empresas que depois irão preparar contratos leoninos, com Correia de Campos e o governo, para estes amigos os financiarem com o dinheiro dos impostos e do orçamento de Estado.
Aqui chegámos, apesar da resistência e da luta diária, anos após anos. Pior seria, se assim não tivesse acontecido. Mas, agora, a nossa responsabilidade é ainda maior. Trata-se de construir de novo, de organizar e lançar as bases de luta, sem qualquer espécie de condescendência face a gente que está a fazer pior do que o que foi pior ao longo de décadas. O mais banal e execrável da pequena e média burguesia está hoje no poder e cumpre as ordens de quem, na alta finança e nos negócios, os trata como meros executores do que é necessário impor para enriquecer ainda mais e concentrar mais benesses e poderes.

Anos após anos, nos dois últimos séculos, os reformistas e sociais-democratas ajeitaram-se a cada situação política e foram defendendo e impulsionando o capitalismo. Mas, apesar de tudo, lá iam tendo alguma vergonha e ainda deixavam ficar alguma coisa, de direitos sociais, aqui e ali, para ocultar, melhor ou pior, o que de mais profundo e destruidor acontecia. Hoje, a máscara caiu totalmente ao PS. A situação brutal da chamada globalização e da crise do capitalismo aí estão, a atingir o auge. Nem socialismo (não nos façam rir), nem social-democracia, nem o mínimo dos mínimos resta, para arremedo de vergonha e de sentido de justiça. Ficam estes trapos tão novos e já tão velhos, ainda no governo, até acabarem a obra assanhada, de destruição e de miséria da política, que é, como todos sabemos, a política de miséria espalhada e aprofundada pelo país fora.

Cá estamos e estaremos, como ontem estivemos, para os combater e remover. Na altura própria, quando ficarem de rastos e os seus patrões de hoje os substituírem por outros, nas suas simpatias e anseios de mais poder e de mais dinheiro, veremos qual será o caixote do lixo que os espera e se terão lugar na memória de quem votou neles e agora se vê desesperado e arrependido.
Mas estamos e estaremos aí, nas frentes de luta e de futuro, se estudarmos profundamente o que se passa, entendendo a realidade e assumindo, com coragem e firmeza, o que nos cabe de revolucionários que souberam ultrapassar dificuldades e estão, de corpo inteiro, aptos a impulsionar medidas e acções de resistência, de consciencialização ideológica e de superação da situação de grau zero em que, com a ajuda amiga e temporária de Cavaco Silva, estes inimigos do 25 de Abril pretendem deixar a nossa vida e a democracia portuguesa.


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